Falar sobre sexo, sexualidade e relacionamento afetivo nunca foi um assunto fácil e está longe de ser. Mas porque a palavra sexo incomoda tanto? Considerando que nós somos um ser biopsicossocial e nossa sexualidade se encontra nesse meio entre o biológico, o psicológico e cultural, voltemos no tempo para entender como a sexualidade brasileira foi construída e atua fortemente nos dias de hoje.
Como a nossa cultura foi sendo construída em torno do tema sexualidade
Quando os colonizadores portugueses e os jesuítas, todos cobertos e cheios de pudores, obcecados pelo pudor na ocultação dos corpos inclusive dos genitais, descobriram as índias que andavam nuas, onde a prática sexual era feita sem culpa, deitando-se com quem lhe agradava, praticando inclusive a sodomia, ficaram chocados, lutando contra a nudez e aquilo que ela representava.
Começou-se ai a castração da nossa sexualidade, principalmente da mulher. Depois entramos na época colonial escravista, onde Gilberto Freire nos mostra como as negras eram obrigadas a satisfazer sexualmente os “nhozinhos” e as “escravas” brancas, as mulheres legítimas, com sua sexualidade castrada, onde o único objetivo do sexo era para gerarem os filhos.
Já em 1545-1563 quando foi criado o Concílio de Trento, a igreja mantinha forte vigilância na vida sexual dos cristãos. Nas confissões os casais eram estimulados a falarem de suas intimidades e assim, foram sendo estipulados os “pecados carnais” e uma forte repressão sexual surgia. A igreja interferia na intimidade da família, mesmo entre quatro paredes, enaltecendo os registros de São Jerônimo no ano de 392, “Escandaloso é também o marido demasiado ardente para com sua própria mulher” .
“Na concepção da Igreja, o casamento deveria ser o espaço único no qual o desejo e a carne, devidamente domesticados, existiam para a propagação da espécie, usufruindo de uma sexualidade disciplinada” (Carmo, 2011).
São Paulo, séculos XVII e XVIII: os casamentos só eram feitos por meio de dotes. O relacionamento homem e mulher, quase sempre, era apenas um negócio. A presença de “excitação” nas relações era considerada pecado. “Pudor, inibição e vergonha, eram atribuídos a mulher como inerentes a sua natureza, permitiam-lhe apenas insinuar em silêncio, seus eventuais desejos sexuais, ficando o marido a condição de decifrá-los e entendê-los” ( Carmo,pg 105, 2011).
Meados do século XIX, a prostituição crescia em São Paulo, Rio de Janeiro e no final do mesmo século, começo século XX começava a cultuar o amor romântico, sendo as decepções amorosas causas de suicídios. A castidade feminina era o valor inquestionável em uma população na maioria católica onde o culto a Virgem Maria eliminava a possibilidade de quebra do mito da pureza sexual. A mulher deveria casar com seu primeiro namorado, demonstrando que não havia dividido sua afeição e nem sua intimidade com outro homem.
A extrema rigidez moral dessa época fazia do sexo pecado e doença
A masturbação era considerada pecado. A honra de uma mulher era uma membrana: seu hímen. Ainda neste século a homossexualidade começa a se tornar visível e a medicina tentava a “cura” por meio de confinamentos, choques elétricos, camisa de força e muitas medicações pesadas.
Após a década de 1960, com a publicação dos primeiros trabalhos sobre fisiologia sexual é que foi introduzido o estudo da sexualidade humana nas escolas americanas. No Brasil, pouco se falava. Durante décadas a ciência considerou a mulher verdadeiramente feminina como uma pessoa fria, passiva e no extremos, até mesmo frigida.
A partir da década de 1970, houve uma grande expansão na sexualidade com o feminismo, a pílula anticoncepcional, discussões sobre aborto e exposição da sexualidade apareceram na mídia, fazendo do amor e prazer quase obrigatórios. No final década 70 as revistas eróticas-pornôs ganham destaque. Na década 80 aparecem as revistas para mulheres ‘emancipadas, falando sobre a libertação da mulher, reivindicando seu prazer.
Com a legalização do divórcio em 1977, surge um número crescente de homens e mulheres descasados e junto, um grande preconceitos a essas pessoas. Surge em 1979 o seriado Malu Mulher, representando a trajetória desta nova mulher. Mas é nessa mesma década que surge aumento de muitos casos de crimes passionais associados a violência sexual, como foi de Angela Diniz.
Em 1980, surge o quadro TV Mulher chegando a atingir dois milhões de expectadores. Um momento de difusão do feminismo na cultura de massa, falando sobre corpo, sexualidade, prazer, aborto.
E hoje. O que mudou desse recorte histórico?
Hoje, 2018, século XXI, existem jovens cujos pais foram criados como o modelo de relacionamento duplo: moça para casar e moça leviana. Santa e puta. Conservando muito do sistema patriarcal. Ainda aparecem na mídia, capas de revistas famosas com a mulher ideal para um homem: “ Bela, recatada e do lar”. Deparamo-nos com pastores considerando a masturbação e o ato sexual antes do casamento como um pecado. Autoridades que não legalizam o aborto e nas escolas as leis que não permitem uma abrangente Educação Sexual.
Porque é tão difícil falar de sexo? Porque a palavra sexo incomoda tanto? Porque ainda estamos acorrentados?
Porque não vemos o sexo como parte integrante da vida de toda pessoa. É tão difícil falarmos de sexo porque a maioria das pessoas não está com sua sexualidade resolvida. A palavra sexo incomoda porque todos os dias mulheres são vítimas de estupro de seus próprios parceiros.
A palavra sexo incomoda porque o abuso sexual acontece no seio familiar de centenas de lares. É tão difícil falar de sexo porque pais não aceitam seus filhos homossexuais, fingindo que não o são. É tão difícil falar de sexo porque existem milhares de pessoas comprometidas em sites de traição, mas representam o papel de famílias exemplares.
Falar de sexo é mexer na ferida. Falar de sexo é sair da hipocrisia. Falar de sexo é estar vulnerável.
E você? A palavra sexo incomoda você? Está pronto para falar de sexo? Vem com a gente ajudar a construir um futuro para as relações menos distorcido. Com mais pureza – da alma, em primeiro lugar! Espero que não prefira repetir erros de nosso antecedentes, que por dificuldade de acesso a todas estas informações, entre tantas outras variáveis, não puderam ter a chance como temos hoje de revalidarmos todos os nossos equivocados conceitos a respeito do tema. Apenas assim ajudaremos inclusive os nossos filhos a serem mais esclarecidos a respeito. Vem!
#futurodosexo #somostodosresponsáveis
Leia aqui o 1º e o 2º episódio desta série: “Os especialistas do Futuro do Sexo respondem: A palavra sexo incomoda?”
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Imagem: .wikimedia.org
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