Aprendemos na escola, desde muito cedo nas simplificadas aulas de biologia, que o ser humano nasce, cresce, se reproduz e morre. Assim como qualquer vida orgânica, o ser humano buscaria, a todo custo, a manutenção da espécie por meio de sua reprodução.
Me lembro como se fosse hoje, a professora de ciências fazendo sua caução pedagógica aos jovens em puberdade na sétima série para não rirem do conteúdo que seria exposto dali em diante. As risadas significariam desrespeito e infantilidade com o assunto, apontava a professora.
Ao abrirmos o livro de biologia nas páginas propostas, nos deparamos com representações dos nossos órgãos sexuais e até mesmo desenhos de um pênis penetrando uma vagina para compreendermos a ‘mecânica da reprodução humana’. Era essa mecânica, afinal, que fazia com que estivéssemos ali.
Todas as crianças na sétima série, de acordo com o que víamos na escola, eram fruto dessa reprodução sexual. E as crianças, como sabemos, são “o futuro da nação“. Começamos a aprender desde então, duas coisas: que o sexo
- é coisa séria pois,
- é dele que emerge e culmina nossa condição de reprodução enquanto espécie.
Em poucas palavras, na escola sexo não é sacanagem. Nele estaria contido:
O futuro da humanidade.
Só depois de muito tempo reconheci o que de fato se relacionava tanto com nossas curiosidades infanto-juvenis quanto com a necessidade pedagógica de supressão de nossas risadas com relação ao sexo. Era necessário que percebêssemos a natureza da nossa sexualidade.
Uma suposta natureza existente e baseada na reprodução da vida e de forma saudável. Nesse sentido, o ‘bom sexo’ seria aquele que garantiria não só o futuro da espécie humana, mas que seria feito sob determinados parâmetros de segurança e comprometimento emocional. Lembrem-se de nossos professores e professoras dizendo: sexo é coisa séria!
O meu ponto nesse texto é que o sexo que fazemos e a sexualidade que vivemos são assuntos tão moralizados por exatamente se referirem ao nosso futuro enquanto seres individuais e sociais.
Entretanto é preciso nos questionarmos com um pouco menos de seriedade e com doses mais altas de ironia essas próprias bases naturais em que supostamente se assentam sexo e sexualidade em nossas sociedades ocidentais. Só assim conseguiremos repensar outros futuros possíveis para nossos corpos e comportamentos, seja em dor ou prazer.
Portanto, não é que fosse proibido a nós, crianças, sabermos sobre sexo; pelo contrário, exatamente não podíamos conhecê-lo de qualquer forma, sob qualquer discurso. Era preciso conhecermos o discurso considerado ‘correto’ para ‘melhor’, futuramente, sabermos e fazermos sexo.
Não é à toa que a forma considerada mais legítima, científica e pedagógica sobre as práticas sexuais seja a biológica.
A noção biológica de sexo, como uma prática de reprodução de caracteres genéticos humanos, é historicamente fruto da ciência biomédica do século XIX que veio produzindo cada vez mais formas de acessar os modos de se fazer o sexo ‘falar’ conforme determinadas regras.
As orientações monogâmicas, heterossexuais e com fins pro criativos foram se consolidando ao longo dos últimos dois séculos tanto como realidade presente, como forma de acessar e compreender o próprio futuro. O que precisamos fazer é não meramente problematizar a verdade natural de nossa sexualidade, mas compreender como os discursos sobre a natureza do sexo circulam e modulam nossa própria realidade.
Será que nascer, crescer, se reproduzir e morrer ainda é uma espécie de metáfora futurista inevitável com relação ao sexo? Como podemos imaginar outros futuros para as nossas culturas sexuais no presente? Sem conseguir responder essas questões nesse post, nos resta compreender que sexo e futuro se inscrevem, de alguma maneira, mutuamente. O futuro do sexo pode ser agora.
O que você acha disto tudo?
Marcão, acho que duas coisas, ou três: primeiro, parabéns pelo trabalho, você é o cara, não só como pessoa, mas como potência de trans(gressão?)formação; segundo, o caráter temporal precisa ser constantemente repensado, talvez para além de passado, presente e futuro, mas como tempo/vida, pois, é das experiências pedagógicas de criança que se cagaram regras das quais fui refém (e muito outros também o são) até descobrir que sexo não é penetração, que relação não precisa ser monogâmica, que importa mais (no meu caso) a pessoa do que a genitália que nasceu ou o gênero que construiu/performou, esse tempo/vida que ensina não pedagogicamente, mas com a carne, com alma, precisa ser resgatado pois, muitas pessoas não conseguem quebrar essas regras, vivem reféns delas até a morte e é isso, o futuro do sexo não só pode como deve ser no aqui e no agora; por fim, como sempre, desculpa se falei merda em algum momento! Erros de quem ainda esta a aprender onde está o seu corpo nessa história.
E aí, Lucas! Cara, voce capturou bem a entrelinha do debate! Coisa de antropologo, haha! Mas efetivamente as questões que voce traz sao primordiais para situarmos a história dos corpos e os corpos na história; onde um nao existe sobre o outro, mas em constante mutação e influência. Questionar nossas pedagogias racionalizadas atuais é questionar o tipo de futuro que queremos com relação a nossas interações! Grande abraço!