Contra a moral e os bons (para quem?) costumes: por um futuro CUir

Sobre a ‘polêmica’ originada a partir da exposição Queer Museu e seu fechamento por forças conservadoras.

O fechamento autoritário da exposição reflete uma característica histórica de nosso país, importante de ser contextualizada na atualidade para pensarmos que tipo de liberdade sexual queremos no futuro.

 

Há menos de um mês, à deriva pela web, conheci a exposição  Queer Museu – Cartografia da Diferença na América Latina. Situada em Porto Alegre e parte de uma parceria entre ministério da cultura e o banco Santander, a exposição visava mostrar com obras artísticas a potência queer na América Latina. Nas minhas redes sociais eu podia visualizar algumas críticas artísticas, de pesquisadores e pesquisadoras da história da arte e de ativistas lgbtq à exposição. Elas iam do questionamento estético à questões políticas e culturais da curadoria, principalmente pontuando a falta de um tom mais transgressor e ‘sujo’ – uma característica provacativa do ativismo queer. Em resumo, podemos muito bem reconhecer as potências das ações políticas e culturais e ao mesmo tempo criticá-las naquilo que nos acomoda. Digo acomoda de forma proposital, pois o objetivo do queer, leia-se CUir, é incomodar as normas socias por meio de uma outra política cultural-sexual.

Quando traduzimos o termo queer para o português, perdemos muito o potencial de reconhecer o incômodo que determinadas normas causam em certos indivíduos. Isso porque a semântica da palavra queer, de origem inglesa, é um xingamento extremamente ofensivo, degradante e desmoralizante voltado a pessoas consideradas fora da norma social e moral por causa de suas preferências e práticas sexuais, eróticas e afetivas. Aqui no Brasil o peso semântico do queer está nos termos bicha, viado, sapatão. Termos extremamente ofensivos como esses foram absorvidos pela crítica dos e das ativistas queer. Foram deglutidos em seu potencial ofensivo e cagados em forma de um ativismo sexual e político que se nomeia com aquilo que antes era uma ofensa advinda da boca de conservadores e empreendedores morais. Em poucas palavras, queer é mais que uma identidade sexual, ele é um movimento que transgride certos limites e contamina determinados costumes, mostrando sua faceta moralista. O queer provoca o medo da contaminação imoral exatamente para denunciar a hipocrisia moralizadora de seus detratores.

O fato do banco Santander ter se deixado corroer pelas pressões de grupos conservadores políticos e religiosos, pondo um fim um mês antes do previsto à exposição, nos mostra exatamente a atual onda moralista que nos rodeia. Se por um lado meus amigos e amigas acostumados com as críticas CUir sentiram que a exposição abalou menos do que poderia, por outro lado grupos ‘apartidários’, movimentos pela liberdade política e religiosa, grande ironia, destilaram suas odes contra o ‘comunismo’ e o ‘satanismo’ sexual do museu queer. (Muitos deles até se dizem contrários ao ‘politicamente correto’!). Entretanto, é preciso enfatizar que o banco Santander deixou-se capitular perante as investidas conservadoras concentradas no último final de semana. O banco aceitou de maneira nítida o pânico moral proposto pelos acusadores da exposição que continha obras com ‘pedofilia’ e ‘zoofilia’. Assim, a exposição Queer Museu se tornou ‘pornografia’ por sua ‘obscenidade’.

Para além da rigidez empresarial em se lidar com a diferença, o acontecimento deixa opaca nossa visão sobre o aquecimento e reprodução de gramáticas conservadoras no Brasil. Não é a primeira vez que uma exposição artística crítica à boa moral e aos costumes familiares é alvo de censura por seus expositores. Em 2006 o Banco do Brasil também capitulou diante do cântico ofensivo dos moralistas de plantão e interrompeu a instalação “Desenhando em Terços”. Voltar um pouco ao passado nos permite, de forma anacrônica, pensar nossa época atual como se fosse o futuro se concretizando diante de nossos olhos. E então encaramos uma dúvida: seremos mais cuir ou mais policiais morais daqui a dez anos? Espero, pelo menos, que não tenhamos que ter conta em banco para sermos subversivos.

Contra a moral e os bons (para quem?) costumes: por um futuro CUir

| Arte & Cultura, Comportamento | 4 Comentários
Sobre o Autor
- Inquietude reflexiva de um corpo cadeirante

4 Comentários

  • Argileu
    Comente

    Quando Nelson Rodrigues colocou a pederastia, o sexo, a violência, o racismo e a pedofilia no palco, foi considerado um louco. Hoje, se entende sua genialidade e provocação filosófica quando expôs nos palcos a verdade nua e crua.
    Então fica a pergunta: QueerMuseum; loucura ou genialidade? De que lado você quer estar daqui alguns anos; do mesmo lado dos que censuraram Nelson Rodrigues ou do lado de quem mostra a vida com ela é?

    • Fabio Adriano
      Comente

      Eis a grande questão Argileu! Mas em nosso caso, como produtores de conteúdo para um determinado propósito, a resposta para este questionamento pode ser subentendida em nossa pagina “Sobre” de nosso site. Obrigado por interagir conosco e por contribuir para esta rica discussão. Sua curtida em nossa página no Facebook será muito bem vinda! 🙂 facebook.com/futurodosex/

  • Phanton
    Comente

    Quero estar na vanguarda, mas respeitando aos demais!
    .
    Jamais utilizando um terço, símbolo religioso, para confeccionar penis! Respeito para ser respeitado!
    .
    Deveriamos entao permitir que a criança tocasse o penis do modelo na exposicao em SP? Pois e assim que a vida de?
    .
    Lastimo os termos comunistas utilizados no texto: “forças conservadoras”, “autoritário”, por favor NE?
    .
    Há outras maneiras de sermos “revolucionários”, utilizando o modelo sueco de ensino…
    .
    Agora, os Senhores pregam “liberdade” e tals… modernidade e tals… Mas, particularmente EU, sou a favor da liberdade de expressão, coisa que não se vê aqui… pois há de se “permitir” publicações… Evitando o livre debate…. e filtrando o que lhe convem…

    • Cassiana Buosi
      Comente

      Olá Phanton! Obrigado por contribuir com seus pontos de vista! Sugerimos que leia a nossa política de comentários a qual busca esclarecer aos leitores o porquê da moderação dos comentários. Qualquer ponto de vista é bem-vindo em nosso ambiente, desde que não se enquadre em “Critérios para exclusão de um comentário”. 😉 Leia mais aqui: https://futurodosexo.com/politica-de-comentarios/