Será que a realidade virtual mudará nosso imaginário do sexo?

O VR se encontra, hoje, em um momento de testes. De um lado, a indústria dos vídeo games coloca em prática algumas hipóteses de como interagiremos com esse tipo de interface em situações mais rotineiras. De outro lado, o pornô em Realidade Virtual nos desafia a pensar nossas relações no futuro. Em ambos os lados, o que se faz é tentar compreender quais são as aplicações possíveis dessa tecnologia.

O que não se leva em consideração, porém, quando falamos em pornô em realidade virtual é justamente a hipótese mais plausível: a de a realidade virtual  apenas reforçar imaginários e esteriótipos que temos sobre o sexo.

Um pouco sobre Realidade Virtual

O termo “Realidade Virtual” foi cunhado em 1987 pelo pesquisador em programação Jaron Lanier. O conceito passou a agregar uma imensidão de tentativas em transportar usuários a mundos ficcionais simulados por computador. Nos anos 1990, já tivemos as primeiras experiência com realidade virtual na indústria dos videogames pelas duas principais desenvolvedoras da época, a Sega e a Nintendo.

Na década de 1990, o Virtual Boy, da Nintendo, foi uma das primeiras tentativas em Realidade Virtual da indústria dos games. 

Em 2016, porém, o sonho da realidade virtual foi reaquecido graças a chegada de novos headsets comerciais de VR, como o Oculus Rift, o Playstation VR e o HTC Vive, e até soluções baratas que usam smartphones, como o Google Cardboard. Muito recentemente, portanto, observa-se uma crescente produção de conteúdos para essa plataforma. Mais do que um entretenimento, a tendência é que a realidade virtual torne-se uma interface mais e mais rotineira.

Um pouco sobre imaginário

Pesquisar sobre o imaginário e conceituá-lo é um enorme desafio. Todavia, se queremos conversar sobre o imaginário do sexo em nossa cultura, não podemos ser levianos ao defini-lo, ao risco de oferecer somente ideias difusas sobre o assunto.

Para o antropólogo francês Gilbert Durrand,  grandemente influenciado por Jung, o imaginário é um conjunto das imagens que se relacionam e constituem o capital inconsciente do ser humano. Nele, dá-se um domínio de imagens arquetípicas, profundas e universais, que modulam o comportamento humano, seja em contextos específicos, seja em contextos grupais e sociais.

Portanto, não falamos de racionalidade e consciência quando tratamos do imaginário. Essas são daquelas imagens que simplesmente atuamos: a imagem da mãe, a imagem do pai/Deus, a imagem do velho, a imagem do puer, as grandes imagens de masculino (animus) e feminino (anima), e por aí vai.

No livro Mudança de Horizonte, recentemente publicado no Brasil, o pensador alemão Dietmar Kamper define imaginário como “uma órbita a partir das ruínas das grandes obras da humanidade: religião, estado, filosofia, arte e técnica. É um novo tipo de prisão; não é feita de muros e sim de desejos e sonhos fracassados, principalmente do sonho da razão que, há dois séculos, tem gerado monstros.”

Imaginário seria, para Kamper,  aquele conjunto sedimentado de imagens da cultura que, de tão antigas e profundas, dificilmente se alteram, dificilmente se rompem. Uma prisão de muros invisíveis, construída por essas grandes imagens utópicas que, embora tenham fracassado, seguem nos orientando e nos moldando.

O que as pessoas esperam do pornô em Realidade Virtual?

Segundo um relatório da Piper Jaffray, estima-se que o mercado adulto usando VR se tornará um negócio de U$ 1 bilhão até 2025. Usar realidade virtual abre possibilidades de consumir pornografia por diferentes perspectivas. No futuro, a tecnologia pode se  aliar a implantes de estimulação nervosa para que o usuário se movimente no mundo simulado ainda que imóvel no mundo físico. Com tudo isso, há diversas razões para acreditar que a realidade virtual pode mudar o sexo como conhecemos. Resta saber como.

Em uma curiosa pesquisa da New Catle University, nos Estados Unidos, foi sugerido a um grupo de pessoas apenas que contasse uma história sobre um usuário que entrasse em contato com pornô por realidade virtual pela primeira vez. Os pesquisadores forneceram o começo da história, e os participantes tinham que continuá-la. Os resultados são muito divertidos. A primeira frase era apenas:

Jack liga seu novo headset de realidade virtual e o coloca cuidadosamente sobre a cabeça. Ele não sabe bem o que esperar. Ele está prestes a ter sua primeira experiência com pornô em realidade virtual. [tradução livre]

O método usado pelos pesquisadores é questionável. Pode-se argumentar que a pesquisa diz mais sobre a capacidade discursiva e narrativa dos seus participantes do que, necessariamente, seus pensamentos sobre realidade virtual e pornografia. Todavia, o método instiga porque oferece indícios, pequenas portas de entrada para o imaginário profundo das pessoas sobre essa trinca sexo, pornografia e tecnologia.

Chama atenção, por exemplo, a preocupação em algumas histórias de que a Realidade Virtual seja capaz de aflorar a homossexualidade do usuário, especificamente masculino, tomando-a como um comportamento desviante ou corrompido da sexualidade.

Outro ponto de destaque é a ideia comum nas histórias da pornografia em realidade virtual como um logro, uma enganação. Algo que se coloca enquanto real, no lugar do próprio sexo, e é eficaz em persuadir o usuário a acreditar naquilo. E é nesse ponto mesmo que a tecnologia é, de fato, revolucionária, do ponto de vista técnico: na sua capacidade de simular. É evidente como a Realidade Virtual é produto do sonho em “literalizar” o que, antes, eram mundos imaginados.

Mas do ponto de vista antropológico, a hipótese mais plausível é de que imaginário de sexo pouco se altere. Uma novidade social, como é a tecnologia, tem impacto sobre a cultura e o imaginário. Mas o imaginário precede, sempre, as nossas configurações sociais. A tecnologia, portanto, carrega consigo um imaginário, e jamais o rompe completamente.

No caso, como indiciam as histórias coletadas pela pesquisa, ganha nova vida por meio da realidade virtual um imaginário de “sexo perfeito”, quase higiênico, tido como ideal, o qual a tecnologia seria capaz de lograr. Não é nenhuma novidade, desde a helenização da imagem da Afrodite grega (uma história para outro post), a busca na cultura por essa perfeição idealista do sexo e da sexualidade. Uma perfeição que só é alcançável mesmo no campo do imaginário.  Imagens, estas, que a realidade virtual presentifica.

#boracontribuirfs #futurodosexo

No próximo post, vamos continuar discutindo sobre pornô em realidade virtual, mas sobre uma perspectiva ética. Discorda de toda essa bobagem que eu escrevi? Então me conteste aqui nos comentários (de maneira amigável, é claro) 😉

Imagem: https://pixabay.com/pt/pessoas-homem-guy-bigode-2557494/

Será que a realidade virtual mudará nosso imaginário do sexo?

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Sobre o Autor
- Mestre em Comunicação e Semiótica, jornalista, comunicólogo e um apreciador de bons papos.